Nas ruas

Repórter da Rede Bahia faz reflexão sobre violência em Salvador

No texto, o repórter revela que nunca imaginou utilizar o equipamento de proteção.

Muller Nunes
Foto: Instagram/@mullernunes

O jornalista Muller Nunes, que atua como repórter na Rede Bahia, utilizou as redes sociais para fazer uma reflexão sobre a violência em Salvador. Na publicação, Muller aparece vestido com o tradicional colete balístico azul, utilizado em coberturas jornalísticas de situações perigosas.

No texto, o repórter revela que nunca imaginou utilizar o equipamento de proteção. Ele confidenciou também que as primeiras vezes em que utilizou o colete balístico se sentiu estranho.

Ao mesmo tempo, Muller conta que se sente incomodado de estar protegido, enquanto a população local fica exposta à violência e cita casos de pessoas baleadas na capital baiana.

“Ainda sim, todas as vezes que vesti me senti incomodado ao saber que quem convive mesmo com a violência, não tem escolha, é peito aberto todo dia, indo pra escola, voltando do trabalho ou mesmo dentro de casa, sem saber quando a bala perdida vai encontrar sua história”, disse.

Confira o texto na íntegra:

Perdi as contas de quantas vezes vesti um colete a prova de balas, Logo eu que nunca me imaginei dentro um. Nunca fui um aficionado por armas, filmes de ação ou mesmo sonhei em cobrir conflitos armados.

Meu ideal sempre foi fazer uma comunicação que não só informa, mas também forma e transforma á medida que denuncia o que precisa ser mudado.

Nas primeiras vezes era estranho e soava como um alerta de que algo ruim poderia acontecer e aquele equipamento pra me proteger diante de um trabalho, podia não proteger totalmente, é preciso cautela, atenção e respeito a orientação dos mais experientes e especialistas.

Ainda sim, todas as vezes que vesti me senti incomodado ao saber que quem convive mesmo com a violência, não tem escolha, é peito aberto todo dia, indo pra escola, voltando do trabalho ou mesmo dentro de casa, sem saber quando a bala perdida vai encontrar sua história.

Foi assim pra Raisa em outubro que perdeu a visão após ser feita refém dentro de casa por um bandido que fugia da polícia. Um disparo atingiu a cabeça da jovem manicure que descobriu na UTI que esperava o segundo filho.

Foi assim com Luísa, universitária com tantos sonhos a se realizar e nem teve tempo de se despedir de quem lutava junto por eles ao ser baleada na barriga voltando pra casa numa operação policial,

Está sendo assim para Karine, pastora que mesmo resgatando tantos jovens do tráfico de drogas através da missão de pregar a palavra de Deus, não conseguiu salvar a si mesma quando voltava de um evento gospel.

Ser repórter é ser olhos, ouvidos e voz de quem não pode denunciar e é obrigado a se calar com medo de ser a próxima vítima.

É mostrar uma realidade muitas vezes incômoda e distante dos cartões postais.

É questionar os contrastes e entender que por mais que pareça demais falar de assuntos que se repetem todos os dias, pior seria fechar os olhos.

Nesse compasso de uma violência crescente, que a gente não perca a capacidade de se indignar diante dos absurdos que parecem rotina, de se sensibilizar a dor do outro, entendendo que os números não mensuram o valor das vidas perdidas, nem contam histórias interrompidas.

Mas que a gente possa também achar tempo para mirar nos bons exemplos, nas iniciativas que dão certo e nas potencialidades escondidas atrás das mazelas, pra voltar lá nas favelas falando de autoestima, educação e cultura algo que reconstrói e protege por modificar e edificar uma sociedade melhor”.