Abril Azul

Autismo em adultos: O diagnóstico tardio e a busca por qualidade de vida

A produtora cultural Bianca Cupertino recebeu diagnóstico de autismo aos 27 anos e compartilhou um pouco da trajetória

Foto: Luan Telles
Foto: Luan Telles

Por muitos anos, o diagnóstico de autismo foi associado à infância. Isso tornava invisíveis os adultos neurodivergentes, especialmente aqueles que chegaram à vida adulta sem saber exatamente por que determinadas situações cotidianas sempre pareceram mais difíceis.

É o caso da produtora cultural Bianca Cupertino, que recebeu o diagnóstico de autismo aos 27 anos e compartilhou um pouco de sua trajetória com o PS Notícias.

“Eu recebi o diagnóstico de autismo, eu tinha acho que 27 ou 28 anos, não lembro muito bem, mas ele foi um diagnóstico bem tardio mesmo. Eu passei por avaliação com neuropsicóloga, com neurologista, já estava sendo acompanhada por uma psiquiatra há um tempo, não foi a minha primeira psiquiatra, também já tinha passado por outros profissionais da área”, contou Bianca.

A suspeita inicial era de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).

“Eu imaginei que podia ser qualquer outra coisa, que ia ser só um TDAH mesmo, que já era bem visível, sempre foi muito visível, mas nunca imaginei que eu poderia ser uma pessoa autista”, disse.

Bianca Cupertino diagnosticada com TEA aos 27 anos. Foto: Nara Gentil

Autocompreensão

Bianca foi diagnosticada com autismo nível de suporte 1 e a comorbidade TDAH. O impacto do diagnóstico, no entanto, não foi imediato. Como muitas pessoas autistas adultas, Bianca viveu boa parte da vida sentindo que algo estava “fora do lugar”, mas sem conseguir nomear o que era.

A descoberta foi, num primeiro momento, um turbilhão emocional: “Eu lembro que chorei horrores quando descobri, porque eu fiquei com a cabeça muito bagunçada”.

Apesar do susto inicial, o diagnóstico abriu portas para a autocompreensão e para uma vivência mais leve.

“Eu diria que todos os impactos foram muito positivos, né? Óbvio que demorei um pouco assim também para entender de que forma isso realmente impacta a vida da gente, mas muda muita coisa para melhor, porque você consegue ter uma qualidade de vida muito melhor quando você descobre um diagnóstico, seja do que for, né?”

A partir do entendimento de si mesma, Bianca conseguiu ressignificar vivências antigas e aprender a lidar com aspectos da neurodivergência que antes causavam grande sofrimento.

“Eu me sentia muito culpada por algumas questões, que hoje eu entendo que essas questões não eram coisas tão problemáticas, né? Levando em consideração que sou uma pessoa que eu tenho uma questão patológica, que me leva a elas”, avaliou.

Entre os pontos mais transformadores após o diagnóstico, ela destaca o aprendizado sobre suas sobrecargas sensoriais e a relação com a interação social.

“O que mais mudou foi saber realmente lidar com os estímulos, lidar com a questão da bateria social bem baixa. Me ajudou a melhorar um pouco a comunicação (…). Às vezes eu interagia demais, eu ficava totalmente ali no meu mundo”.

Outro aspecto importante foi aceitar e acolher suas estereotipias, os chamados “stims”, comportamentos repetitivos comuns entre pessoas autistas, alguns como balançar as mãos ou os pés. “Hoje, eu já também não escondo mais, antes eu escondia muito, isso me trazia um cansaço mental que era surreal”.

Cupertino também relata como o diagnóstico lhe permitiu desenvolver estratégias de autorregulação, fundamentais para sua permanência em espaços sociais.

“Entender quais são as ferramentas que eu tenho ao meu alcance para conseguir criar minha própria inclusão nos espaços mais movimentados, tipo show, shopping, às vezes até no local de trabalho porque quando você aprende a lidar com seus sintomas você já não passa tanto perrengue nem tanto aperto”.

‘Diagnóstico de autismo não determina quem é a pessoa’

A psicóloga Fernanda Vaz, reforça a importância do diagnóstico, mesmo quando acontece na vida adulta. Para ela, compreender as próprias características e dificuldades é um passo essencial para que o sujeito possa buscar qualidade de vida e se reconhecer em suas vivências.

“Muitas vezes a trajetória até o diagnóstico de um adulto com transtorno do espectro do autismo é uma trajetória muito desafiadora, porque se esse diagnóstico ele for dado de forma tardia, esse indivíduo vai passar por muitos desafios sem saber o porquê ele está passando por esses desafios. Ou seja, quando a pessoa entende as suas questões, entende que a sintomatologia ela faz parte de um transtorno, fica mais fácil saber como cuidar dessa sintomatologia”, disse Vaz.

Psicóloga Fernanda Vaz. Foto: Roberta Quadros

Segundo Fernanda, o desconhecimento sobre o próprio diagnóstico faz com que muitos adultos autistas enfrentem barreiras significativas ao longo da vida.

“Eles passam por situações de muito estigma, muito preconceito, dificuldades acadêmicas escolares, dificuldades acadêmicas na faculdade, dificuldade para entrar no mercado de trabalho, para formar relações”.

Ela explica que as pessoas com autismo enfrentam desafios que variam de acordo com o nível de suporte. Porém, mesmo nos casos considerados ‘leves’, esses desafios podem impactar significativamente a vida cotidiana.

“Quando a gente analisa o indivíduo com TEA, levando em consideração os níveis de classificação, então o indivíduo com TEA a nível de suporte 1, ele não vai ter tantos desafios assim quanto o indivíduo com TEA a nível de suporte 2, o indivíduo com TEA com nível de suporte 3. Mas mesmo o indivíduo com o nível de suporte 1, ele pode passar por muitos desafios porque são comprometimentos que são leves, ou seja, passam às vezes despercebidos, mas que para aquele sujeito são relevantes. Por que eu sou tão diferente? Por que eu não consigo me comportar de uma forma socialmente aceita como os outros? O que é que acontece na minha formação, no meu desenvolvimento para que eu passe por essas barreiras, por essas dificuldades?”

Mesmo que tardiamente, compreender o diagnóstico permite ao sujeito entender seu lugar no mundo e quem ele é.

“Diagnóstico ele faz parte de uma identidade, ele não é identidade. Diagnóstico ele não determina quem é a pessoa, o diagnóstico ele ajuda a pessoa a compreender, a tratar, a saber como funciona dentro de determinados ambientes, a buscar caminhos, mas o diagnóstico ele não simplifica. Então, ele ajuda o indivíduo a saber quem formar sua identidade em relação a como é que ele se comporta, como é que ele se sente e como é que ele age com os outros, como ele está em sociedade, como pode fazer para reagir melhor ou dentro das suas limitações dentro de ambientes de trabalho, ambientes sociais”, finalizou.

Abril Azul

A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o ‘Abril Azul’ com o objetivo de conscientizar a população sobre o autismo, envolver a comunidade, trazer visibilidade e buscar uma sociedade mais consciente, menos preconceituosa e mais inclusiva. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 70 milhões de pessoas são autistas no mundo.

Vale ressaltar que o mês de abril é apenas uma representação. O assunto deve ser tratado e conscientizado durante todo o ano.

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