O aumento de confrontos armados nos bairros de Salvador revela a força e a disputa acirrada entre facções criminosas na capital baiana. Mas você sabe como tudo começou?
A história remonta ao nome de Raimundo Ravengar, figura que marcou o crime organizado na Bahia. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, entre as décadas de 70 e 90, “Raimundão” controlava 90% do tráfico de drogas na capital. O comando partia do Morro do Águia, no bairro de São Gonçalo do Retiro, impondo medo e respeito entre aliados e rivais.
Entre 2003 e 2006, Ravengar foi alvo de uma caçada policial que terminou na Linha Verde, onde acabou capturado. Com a sua prisão, o submundo do crime precisou se reorganizar, abrindo espaço para o surgimento de novas e violentas facções.
O processo de dinâmica do crime não está atrelado somente a uma pessoa, conforme analisa o cientista social Danilo de Santana.
“O cenário do crime em Salvador passou por transformações ao longo dos anos. De uma dinâmica mais centralizada para a fragmentação e a chegada de facções nacionais. Esse processo não está ligado a uma pessoa em particular, mas a mudanças estruturais mais amplas, como desigualdades sociais, ausência de políticas públicas e a reorganização do crime organizado no Brasil”, avalia.
Entretanto, ele reconhece que a chegada de grupos criminosos de fora do estado podem ter influenciado no aumento da violência. “Nos anos 2000, observamos que com a chegada de grupos de fora, a violência se intensificou e surgiram os ‘muros invisíveis’ que hoje limitam a vida cotidiana nos bairros. E mais recentemente, essas facções diversificaram suas economias e ampliaram seu poder local por diferentes bairros da cidade”, aponta.
Comando da Paz (CP)
Após a queda de Ravengar, o Comando da Paz foi um dos primeiros grupos a se articular. Segundo investigações, a facção nasceu em 2007, dentro do sistema prisional baiano.
Com o tempo, o CP cedeu espaço à facção Comando Vermelho (CV), após uma aliança entre criminosos cariocas e baianos. Essa parceria deu início a uma nova fase da guerra nas ruas de Salvador.
Caveira
A facção Caveira foi uma das mais temidas de Salvador e foi por muito tempo a maior rival do Comando da Paz. Seu surgimento se deu no Complexo Penitenciário da Mata Escura (2009).
Seu principal líder foi Ronilson Oliveira de Jesus, que morreu em 2017, na cidade de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. Com a morte de Ronilson, Genilson Lima da Silva, conhecido como Perna, assumiu o controle da Caveira.
Após um tempo, houve um racha dentro da Caveira e a parte mais violenta ficou com o traficante Zé de Lessa, responsável pela fundação do Bonde do Maluco (BDM), em 2015.
Katiara
A Katiara surgiu em 2013, em Nazaré, no Recôncavo baiano, com o nome de Primeiro Comando do Recôncavo. Rapidamente conquistou parte do tráfico na capital.
Sob liderança de Adilson “Roceirinho”, um dos primeiros traficantes da Bahia a ter acesso a fuzis e metralhadoras, a facção enfrentou violentos confrontos com o CP e o CV.
Para evitar maiores perdas, Roceirinho migrou parte das operações para o interior, atuando fortemente em Santo Antônio de Jesus, Maragogipe, Salinas da Margarida, Santo Amaro e Vera Cruz, mas mantendo bases em Valéria, Águas Claras e Lobato, em Salvador.
Bonde do Maluco (BDM)
O BDM é apontado por fontes policiais como a maior facção da Bahia, criada em 2015 no Pavilhão V do Complexo Penitenciário da Mata Escura. Seu chefe mais famoso, Zé de Lessa, foi morto em 2019.
Um mapeamento obtido pelo PS Notícias aponta que o grupo criminoso controla 84 bairros de Salvador e, no início, estava envolvido em tráfico, assaltos, sequestros e homicídios. Hoje, expande sua influência oferecendo — de forma forçada — serviços como internet, venda de gás e transporte por mototáxi nas comunidades.
Atuando de forma independente desde o rompimento com o Primeiro Comando da Capital (PCC), o BDM tem estreitado relações com a facção carioca Terceiro Comando Puro (TCP), que é rival do Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Apesar dos indícios, ainda não é claro como tem ocorrido essa aliança na prática na capital baiana, segundo uma fonte policial.
Bonde do Ajeita (BDA)
O Ajeita nasceu em 2016 e, apesar de pequeno porte, já mudou de lado duas vezes. Inicialmente aliado ao PCC, desde 2021 se uniu ao Comando Vermelho.
Seu líder, Washington David Santos da Silva, o “Boca Mole”, está preso no Complexo da Mata Escura. O BDA atua principalmente em São Caetano, Bom Juá e Fazenda Grande do Retiro.
Ordem e Progresso / Tropa do A
Hoje chamada de Tropa do A, essa facção nasceu em 2019 de uma dissidência do Comando da Paz no bairro de São Caetano. Foi protagonista de uma grande rebelião na Penitenciária Lemos Brito e usa o Mickey como símbolo.
Chefe-fundador, Thiago Adilio dos Santos, o “Coruja”, recusou a aliança com o CV e foi sequestrado e morto no Rio de Janeiro em 2020. Após alianças instáveis, o grupo se uniu ao PCC no início deste ano, sob liderança de Fagner Souza da Silva, o “Fal”.
Segundo uma fonte da SSP-BA, “a missão da Tropa do A é alcançar territórios hoje ocupados pelo CV”. Ainda que sua atuação seja limitada, o avanço pode acender uma nova onda de conflitos, hoje mais intensos entre o BDM e o CV.