Uma grave denúncia afetou o 24º Batalhão de Polícia Militar da cidade de Brumado, no Sudoeste da Bahia, em dezembro de 2024, quando o tenente-coronel Élson Cristóvão Santos Pereira foi acusado de assédio sexual e moral contra policiais militares femininas e exonerado do cargo de comandante da unidade.
Segundo a denúncia, feita por uma major da PM que fazia parte da equipe de Élson, as situações constrangedoras começaram quando ela passou a trabalhar diretamente com o tenente-coronel, na época comandante do 24º BPM. Além da major, outras duas policiais o denunciaram, reclamando de “elogios” direcionados às coxas, pernas e lábios delas.
Em entrevista exclusiva ao PS Notícias, o tenente-coronel afirmou que a denúncia surgiu de uma tentativa da major de obter poder entre seus colegas do 24º BPM – além de ter sido uma espécie de “vingança” motivada por desentendimento anterior com Élson.
As afirmações, no entanto, são veementemente negadas pela advogada Tayanne Correia, que defende a major no caso e também conversou com o PS Notícias. A jurista afirmou que as alegações de Élson são “tentativas clássicas de descredibilizar a vítima e reverter a narrativa”, já que a denunciante não tinha qualquer motivação pessoal, política ou estratégica para denunciá-lo.
A defesa também enfatizou que, em denúncias como esta, há constantemente a “culpabilização da vítima, desqualificação pessoal, vitimização reversa, coação e silenciamento, distorção dos fatos e uso da estrutura de poder”.
A identidade das denunciantes será preservada nesta matéria.
O tenente-coronel e a major
Élson Pereira conta que o convívio entre os dois começou em 2020. Na ocasião, ambos trabalharam em um projeto do Departamento de Polícia Comunitária e Direitos Humanos (DPCDH). O policial explica que os dois aparentavam ter desenvolvido uma “amizade verdadeira” e que a dupla chegou até mesmo a apresentar um projeto autoral voltado ao bem-estar da tropa: o ‘PM Cuida de PM’.
A relação para a major, contudo, não passava de um contato “estritamente profissional”, mesmo diante de comportamentos que julgava inadequados e abusivos por parte do PM.
Não demorou para que o policial militar se tornasse tenente-coronel e comandasse o 24º BPM/Brumado. Alguns meses depois, a major passou a fazer parte do mesmo Batalhão, após ser transferida. Na época, ela foi apresentada ao gabinete do Comando-Geral da Polícia Militar por causa de um desentendimento, até então sem detalhes, com um oficial superior da sua equipe.
Segundo conta a advogada Tayanne Correia, a major foi designada ao 24º BPM em um trâmite comum, por razões administrativas da Polícia Militar, ou seja, não houve qualquer pedido pessoal ou “influência” para a transferência da policial.
Já o tenente-coronel revela que a chegada da major ao mesmo Batalhão que o dele aconteceu após uma ligação da própria policial pedindo por uma “ajuda”, após ter sido acionada ao gabinete do Comando-Geral da PM.
“Eu até então não sabia por que [foi apresentada ao Comando-Geral]. Perguntei a ela, e ela disse que foi porque um oficial superior havia se desentendido com ela durante uma reunião. Eu, de boa fé, aceitei a major para compor meu grupo (…). Resolvi ajudá-la”, relatou.
‘Carreira conturbada’
De acordo com o tenente-coronel, a denúncia de assédio não foi a primeira feita pela major contra um superior, já que ela teria acusado o oficial, com quem se desentendeu, de assédio contra mulheres também. Segundo ele, problemas envolvendo a denunciante, inclusive, a tornou uma pessoa de “carreira conturbada” e indesejada entre as equipes policiais.
Entretanto, a alegação de Élson é considerada “infundada” pela defesa da policial, já que não houve qualquer denúncia formalizada, por parte da major, envolvendo outros oficiais.
“A tentativa de vincular sua conduta a uma suposta ‘carreira conturbada’ é uma estratégia conhecida para desacreditar vítimas de violência institucional”, afirma Tayanne Correia.
Desentendimento teria levado à denúncia em 2024
O tenente-coronel da PM revelou que ao longo do período em que a major permaneceu na equipe, comportamentos “que careciam de correção” foram observados, como a constante indiscrição em assuntos sensíveis e particulares relacionados ao comandante. O estopim, contudo, teria acontecido no terceiro semestre de comando de Élson (segundo semestre de 2024), quando a major teria tomado uma decisão importante sem o conhecimento e consentimento do comandante.
“Nas eleições, Fabrício Abrantes foi o prefeito eleito e veio um evento que nós tivemos que organizar. Um seminário e simulado de primeiras respostas a crimes contra instituições financeiras”, explicou. O tenente-coronel contou que, nesse dia, pediu para que a major preparasse um convite para o prefeito participar do evento. “Ela disse que fazia questão de levar o convite. Confesso que estranhei aquela predisposição”, contou.
Na época, o comandante havia mencionado aos companheiros de equipe que tinha a pretensão de viajar para Salvador e passar cerca de um mês com sua família, o que, segundo ele, levou a major a cometer mais um erro. Após entregar o convite para o prefeito, a major encontrou o comandante durante um almoço que ele fazia com outro PM. A policial contou que havia revelado ao prefeito que Élson não participaria da festa e que designou outro militar para substituí-lo.
“Falou para o prefeito que eu estava com problemas pessoais e apresentou o nome de um oficial formado na turma dela para me substituir. Vi a situação com estranheza, pois ela levou informações sobre minha vida pessoal”, declarou o tenente-coronel, que ressaltou, também, não ter havido permissão para que a major tomasse aquela decisão, afinal, sua pretensão era colocar o seu subcomandante para substituí-lo durante sua ausência na cidade.
“Ela apresentou o nome de outro oficial sem autorização, e ela sabia que eu estava trabalhando o nome do subcomandante (…). Quebra a lealdade. A lealdade é um valor inegociável no militarismo, tal como a hierarquia e a disciplina”, pontuou.
Começo do atrito
O atrito, segundo o tenente-coronel, teria ganhado mais força após uma reunião convocada por ele, envolvendo a policial, outro major com mais tempo de corporação que ela e o seu subcomandante.
“Comecei pontuando essa situação, disse que estava percebendo um hiato ético na formação dela e disse para não fazer isso, pois a autoridade competente para decidir os comandantes, diretores e chefes na Polícia Militar é o comandante-geral. Aproveitei para pontuar outras condutas. Até então, para mim estava tudo bem”, conta o militar.
Após a conversa, Élson declarou que a major pediu para ficar a sós com ele. Nesse momento, ela teria pedido desculpas, mas, na saída, teria reclamado com outros dois PMs (o subcomandante e o chefe de planejamento operacional) sobre uma “exposição” contra ela por parte de Élson. A reclamação da major teria chegado aos seus ouvidos através do subcomandante.
No dia 11 de novembro de 2024, já em Salvador, o comandante Élson teria recebido uma mensagem no WhatsApp da major, apontado por ele como um novo pedido de desculpas pelo desentendimento.
O tenente-coronel conta que três dias depois, no dia 14 de novembro, outra mensagem foi recebida. Dessa vez, a major teria lhe passado informações sobre a conduta de alguns oficiais diante de políticos da cidade. Para Élson, a atitude teria partido por uma tentativa da major de ganhar sua confiança.
Comportamentos inadequados do oficial
Na versão da major, a denúncia contra o seu comandante se deu única e exclusivamente por comportamentos inadequados de Élson, que se deu de forma progressiva, com “falas ambíguas”, convites constrangedores, exposições desnecessárias e uso de sua posição hierárquica para tentar intimidar ou manipular.
“Em alguns casos, havia tentativas explícitas de intimidação quando a vítima resistia. As outras denunciantes também relataram práticas semelhantes, caracterizando um padrão”, explicou a advogada.
Reuniões misteriosas e denúncia anônima
Enquanto estava em Salvador, o comandante Élson vinha recebendo informações por parte do seu subcomandante sobre reuniões noturnas feitas entre duas policiais no alojamento feminino. Poucos dias depois uma denúncia anônima teria surgido.
No dia 22 de novembro, um suposto texto de um perfil anônimo nas redes sociais revelava que um comandante da região Sudoeste assediava policiais femininas. Cinco dias depois, a denúncia foi levada pela major ao Ministério Público, acusando Élson de assédio moral e sexual.
A atitude da major, para Élson, seria uma “vingança” e uma “cortina de fumaça” para seus erros cometidos no Batalhão, visto que ele não havia respondido seus pedidos de desculpas via WhatsApp.
Já a defesa declara que a major “sempre desempenhou suas funções com responsabilidade, dentro da legalidade, e jamais teve histórico de conflitos disciplinares ou pessoais”. “O único motivo da presente denúncia é o comportamento inaceitável e reiterado do tenente-coronel, que precisa ser apurado com seriedade”, declarou Tayanne Correia.
Outras duas jovens policiais também denunciaram o tenente-coronel pelo mesmo crime, e o processo tramita sob sigilo, para proteção das partes envolvidas.
Medo de denunciar
O tenente-coronel e a major denunciante não tiveram qualquer contato após a formalização da denúncia. A major admitiu ter sentido medo de denunciar seu comandante e que pensou em “silenciar”, contudo, ao perceber que havia outras supostas vítimas, decidiu agir.
“Conversou com outras vítimas em momentos posteriores e buscou canais institucionais de denúncia. Fez isso para que outras mulheres se sintam encorajadas a romper o silêncio,
mesmo diante de ameaças ou tentativas de desmoralização”, contou a defesa sobre a major, que se declarou confiante quanto ao resultado do processo.
Ainda conforme a advogada, apesar de haver, entre policiais, omissão e tentativas de desacreditar a major, o apoio recebido pelo Ministério Público foi fundamental para que a denunciante se mantivesse firme. Alguns colegas da PM também manifestaram apoio à major.
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