Foto: Agência Brasil
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Entre ondas de calor e chuvas intensas, estados brasileiros vivem, constantemente, os extremos climáticos. Conhecida pelo sol predominante, a Bahia enfrenta, a cada ano, novos recordes de temperatura e instabilidades, contrastando com temporais que resultam em alagamentos, deslizamentos de terra e enchentes.

Os fatores afetam não apenas a rotina humana, mas também o equilíbrio da fauna urbana, sobretudo às pessoas e animais em situação de rua e vulnerabilidade social, que estão mais suscetíveis aos riscos de ambientes cada vez mais hostis.

Desta forma, se fazem cada vez mais necessárias as ações de controle, prevenção e manejo e é neste ponto que uma dupla de profissionais se torna essencial: médicos-veterinários e zootecnistas. Os especialistas, que realizam um trabalho, por vezes desconhecido pelo público geral, têm papel fundamental na preservação da Saúde Única.

De forma individual ou conjunta, eles atuam na linha de frente dos impactos ambientais, cuidando dos animais e, indiretamente, da saúde humana, ao conter riscos de zoonoses e promover práticas sustentáveis.

Riscos do calor extremo: da hipertermia animal ao óbito

Capital baiana, Salvador conta com a predominância do sol nas quatro estações do ano, com termômetros que, constantemente, superam os 30°C. No dia 14 de janeiro de 2024, a cidade registrou 36,2ºC, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Em fevereiro de 2019, houve um recorde histórico, quando os termômetros chegaram a contar 37,1°C.

E a tendência é que o calor aumente ao longo dos anos. O estudo “Observatório do Calor (Heat Watch Campaign)”, coordenado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pela Secretaria Municipal, divulgado em abril de 2025, projeta que, em 2100, a elevação no número de dias com mínimas acima de 30°C, pode ultrapassar 125 dias anuais.

Mas as consequências já podem ser observadas nos tempos atuais. O calor extremo é responsável por ocasionar profundas alterações fisiológicas nos seres humanos mas, sobretudo, nos animais. É nesse ponto que o zootecnista age, garantindo conforto térmico, ajustando o manejo e melhorando a eficiência dos sistemas produtivos para reduzir perdas e proteger o bem-estar, principalmente nas zonas rurais.

No entanto, nas áreas urbanas, o profissional também se faz essencial através do planejamento de áreas verdes, o que ajuda na redução da temperatura e melhora o conforto térmico tanto dos seres vivos. Além disso, a atuação do especialista também envolve o monitoramento de fauna sinantrópica, como pombos e morcegos, cuja dinâmica populacional muda com o calor e a alteração de habitats.

Combinando bem-estar, nutrição e sustentabilidade, ele monitora indicadores climáticos, ajustando estratégias para ondas de calor, e identificando as temperaturas elevadas, como avalia o médico veterinário e doutor em Zootecnia, Alessandro Machado.

“O estresse ambiental induzido pelo calor intenso ou pela escassez de recursos resulta em imunossupressão, enfraquecendo a capacidade de resposta do sistema imune dos animais. Este quadro de estresse crônico facilita a infecção e o desenvolvimento de zoonoses, aumentando a carga parasitária e a chance de transmissão interespécies. Pode culminar em estresse térmico e potencial hipertermia, com risco de colapso circulatório e mortalidade, sendo cães e gatos, devido à sua fisiologia de termorregulação limitada, principalmente pela respiração, os mais afetados. Este cenário climático também demanda um maior consumo energético para a homeostase, reduz o apetite e leva rapidamente à desidratação e desequilíbrio eletrolítico”, explicou o especialista.

Foto: Arquivo Pessoal/Alesssandro Machado (zootecnista)

Parceria profissional

Assim, em parceria com veterinários, o zootecnista ajuda a criar protocolos para a gestão responsável desses animais, evitando desequilíbrios e surtos de doenças.

Neste sentido, o coordenador do curso de Medicina Veterinária da Uninassau, Lucas Correia, explica o estresse corporal pode levar a desmaios e, em casos mais extremos, até mesmo ao óbito. Assim, o profissional alerta para a importância do conforto térmico.

“É importante tomar cuidados em episódios de calor intenso, justamente porque a mudança climática e o aumento da temperatura têm que ter uma mudança também quanto ao padrão em que vai estar o ambiente onde os animais se encontram, justamente porque eles precisam ter uma zona de conforto térmico”, disse o veterinário.

Nesse período, os cuidados básicos e adoção de estratégias específicas fazem a diferença. Aos animais, garantir sombras, ventilação, hidratação constante e abrigo seco, reduz o estresse térmico e o risco de doenças.

“Em climas quentes, as medidas mais eficientes focam na termorregulação e na hidratação adequada. Isso inclui a provisão de zonas de sombreamento natural ou abrigos com ventilação otimizada para facilitar a dissipação de calor, a oferta contínua de água potável fresca e a restrição de exercícios físicos durante os horários de pico de radiação solar para prevenir a hipertermia. Além disso, a dieta deve ser nutricionalmente equilibrada e monitorada para evitar o catabolismo e a depleção de eletrólitos”, sugeriu o zootecnista.

Foto: Arquivo Pessoal/Lucas Correia (médico veterinário)

Fortes chuvas: circulação de insetos e roedores e o risco de doenças infecciosas

Se as altas temperaturas podem atuar como vilãs, as tempestades também não ficam para trás. Salvador, que tem sofrido com as fortes chuvas de maneira cada vez mais constante, vive episódios de desafios estruturais e humanos e fragilidades na saúde animal e ambiental.

Em outubro de 2025, período de primavera, a cidade registrou 181 ocorrências relacionadas à chuva, segundo dados da Defesa Civil de Salvador (Codesal). O evento climático ficou marcado como um dos mais chuvosos da história da cidade, com volumes que chegaram a quase três vezes a média climatológica em alguns pontos.

As ocorrências estavam associadas a deslizamentos de terra, alagamentos, ameaças de desabamento e quedas de postes. Desta forma, as enchentes e o acúmulo de resíduos favorecem a contaminação da água por agentes patogênicos, aumentando, por exemplo, os casos de leptospirose em humanos e animais.

“A gente tem riscos para possíveis doenças causadas por agentes bacterianos, como a leptospirose, justamente devido ao contato com água contaminada, e que isso pode desencadear justamente doenças que, se não identificadas precocemente, podem até mesmo colocar em risco a vida dos animais. Não só a leptospirose, mas também doenças transmitidas por vetores, como, por exemplo, carrapatos, que podem se proliferar ainda mais em condições com aumento de temperatura. Pulgas também podem ser veiculadoras de agentes infecciosos”, alertou o veterinário Lucas Correia.

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Assim, não só em Salvador, como em outras grandes metrópoles que sofrem com enchentes, é preciso ter atenção não apenas às citadas, mas a outras doenças como tétano, botulismo e esporotricose, pois tendem a aumentar durante situações de desequilíbrio ambiental.

Somadas à disseminação de agentes patogênicos, as enchentes exacerbadas contribuem ativamente para a proliferação de baratas e roedores, que tendem a se reproduzir em temperaturas elevadas, mas aumentam a circulação na chuva.

“A combinação desses fatores cria condições propícias para a transmissão de doenças, contaminação de alimentos e diversos riscos à saúde pública, o que sublinha a urgência da implementação contínua de políticas públicas de saneamento básico e programas eficazes de educação ambiental”, alertou o zootecnista Alessandro.

Durante os períodos de inundação, a diluição e a dispersão de agentes bacterianos e virais em ambientes contaminados se potencializam dramaticamente, elevando a taxa de exposição e o risco de contaminação cruzada da fauna para a população humana.
Por isso, é importante redobrar os cuidados acerca da saúde. Aos seres humanos, os riscos envolvendo as mudanças climáticas também são diversos, sobretudo se analisada a relação com os animais e o potencial zoonótico.

“Elas não vão ser causadas somente por causa da presença de roedores e animais sinantrópicos, mas também com a presença de lixo acumulado. Com essas alterações do meio ambiente entra a necessidade de um bom controle higiênico sanitário e medidas que favoreçam o controle da população”, defendeu o veterinário.

Prevenção

Se tratando de animais, a atenção se volta à manutenção de abrigos limpos e secos, controle de parasitas e vacinação em dia.

“É crucial assegurar refúgios secos, elevados e isolados da umidade, minimizando o risco de dermatites e doenças respiratórias. O manejo sanitário ganha importância, com a intensificação do controle de ectoparasitas como pulgas, carrapatos, mosquitos, que proliferam na umidade, e a rigorosa manutenção do calendário vacinal e de vermifugação, prevenindo a incidência de patologias oportunistas associadas ao estresse ambiental e à exposição a vetores”, disse o zootecnista.

Em Salvador, o Centro de Controle de Zoonoses alerta que todas as doenças relacionadas aos extremos climáticos possuem relevância por representarem riscos à saúde pública. No entanto, algumas demandam atenção contínua em razão de suas características epidemiológicas e ambientais.

“As arboviroses se destacam pela facilidade de disseminação do vetor transmissor, o Aedes aegypti. A leptospirose costuma ter maior incidência em períodos chuvosos, devido ao contato com águas contaminadas, disse o CCZ.

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O descolamento da fauna silvestre

Além das doenças, a chuva contribui para a migração da fauna silvestres como gambás, saguis, morcegos e cobras. Desta forma, as alterações não são apenas fisiológicas, mas também comportamentais, pois a disponibilidade de recursos causada pelo acúmulo de resíduos, se torna fonte alimentar fácil e abundante.

Com a fragmentação da vegetação nativa, a fauna encontra refúgios improvisados em prédios, telhados e redes elétricas, tornando o ambiente urbano um nicho ecológico atrativo e de menor custo energético para a sobrevivência e reprodução dessas espécies, impulsionando sua adaptação e expansão populacional.

A mudança da rotina da fauna doméstica e sinantrópica leva o zootecnista a atuar principalmente na gestão, prevenção e organização do manejo desses animais, sempre em parceria com veterinários, órgãos ambientais e defesa civil, tendo a atuação mais técnica e estratégica, voltada à logística, bem-estar e planejamento.

“As inundações causam o deslocamento forçado da fauna silvestre e sinantrópica para áreas elevadas da mancha urbana, em busca de abrigo e alimento, aumentando a interface e o risco de zoonoses. Em termos ecológicos, a recorrência desses eventos altera os padrões de reprodução, forrageamento e deslocamento das espécies, desestabilizando o equilíbrio trófico e impondo um severo desafio à saúde única da capital baiana”, explicou o zootecnista.

A presença desses animais em zona urbana, causam estranhamento e, na maioria dos casos, a população não sabe como lidar. O ideal é evitar manuseá-los e alimentá-los, para não correr riscos de machucados e transmissão de doenças.

As pessoas têm que avisar as autoridades como CCZ, Guarda Civil Ambiental ou o Inema [Instituto Do Meio Ambiente E Recursos Hídricos] para levar esses animais para lugares de tratamento e reabilitação garante o cuidado que eles precisam, além de uma volta segura ao ambiente deles, quando possível”, disse o zootecnista.

Na capital, a população tem um papel ativo na vigilância e defesa da fauna podendo fazer denúncias e/ou solicitar resgates. Os principais contatos incluem: Resgate de animais silvestres (feridos ou fora do habitat): Disque Resgate do Cetas (WhatsApp: 71 99661-3998) ou Polícia Militar (190). Denúncia de maus-tratos ou crimes ambientais: Disque Denúncia (181) ou Linha Verde do Ibama (0800 61 8080).

Foto: Divulgação/Governo do Estado de Santa Catarina

Atuação dos profissionais na Saúde Única

Seja prevenindo ou tratando doenças em animais, o veterinário também tem o papel indireto e crucial de garantir a saúde interconectada a humanos e meio ambiente. Ao cuidar da fauna afetada por eventos climáticos extremos, o especialista atua na conservação e sustentabilidade, protegendo a fauna, a biodiversidade e o meio ambiente.

Com o zootecnista não é diferente. O profissional desempenha um papel crucial ao lidar com os desafios ambientais ligados à escassez de água e a redução do impacto da pecuária no clima. Ele ajuda em estratégias para a criação de áreas sombreadas e planeja sistemas de ventilação e resfriamento, escolhendo materiais que reduzem a radiação térmica. Vale pontuar também a ação deles para o melhoramento genético, identificando e multiplicando animais mais tolerantes ao calor, à umidade alta e a doenças que se expandem com o clima.

“O médico veterinário, zootecnista, assim como outros profissionais de saúde, vão estar atuando junto dessa participação no coletivo, pensando no meio ambiente”, garantiu Lucas.

Assim, a parceria entre veterinários e zootecnistas ganha força dentro da abordagem, reconhecendo a interdependência entre todos os seres vivos. Essa integração evita o uso excessivo de medicamentos, previne surtos zoonóticos e garante a sustentabilidade dos sistemas urbanos e produtivos e garantindo melhor qualidade de vida aos animais e humanos.

“Juntos, esses profissionais promovem a sustentabilidade dos sistemas produtivos, fomentando sistemas de criação mais eficientes, ecologicamente balanceados e com menor impacto ambiental”, finalizou Alessandro.